quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Pescador de Ti


Sentados à beira do rio, dois pescadores seguram suas varas à espera de um peixe. De repente, gritos de crianças trincam o silêncio. Assustam-se. Olham para frente, olham para trás. Nada. Os berros continuam e 
vêm de onde menos se espera. A correnteza trazia duas crianças, pedindo socorro. Os pescadores pulam na água. Mal conseguem salvá-las, com muito esforço. Eles ouvem mais berros e notam mais quatro crianças debatendo-se na água. Desta vez, apenas duas são resgatadas. Aturdidos, os dois ouvem uma gritaria ainda maior. Dessa vez, oito seres vindo correnteza abaixo.
Um dos pescadores vira as costas ao rio e começa a ir embora. O amigo exclama:
– Você está louco, não vai me ajudar?
Sem deter o passo, ele responde:
– Faça o que puder. Vou tentar descobrir quem está jogando as crianças no rio.
Esta antiga lenda indiana retrata como nos sentimos no Brasil. Temos poucos braços para tantos afogados. Mal salvamos um, vários descem rio abaixo, numa corrente incessante de apelos e mãos estendidas. Somos obrigados a cair na água e, ao mesmo tempo, sair à procura de quem joga as crianças.Incrível como os homens às margens do rio conseguem conviver com os berros. E até dormir sem sobressaltos. É como se não ouvissem. Se o pior cego é aquele que não quer ver, o pior surdo é aquele que não quer escutar...

(Gilberto Dimenstein )

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