segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Ciclo de dor

A saga dos pingüins mostra o quanto eles sofrem em viagens para o acasalamento e para o nascimento da nova criatura. Meses de um lado para o outro para que o ciclo da natureza se complete. Depois de todo o ritual, por um instante a nova criatura é devorada por uma fera ou destruída pelo gelo. O esforço parece ter sido em vão. Mas não foi. Senão os pingüins deixariam de procriar. Senão a marcha seria interrompida em protesto pelo ciclo da natureza. (...) Por que no ciclo da vida animais precisam devorar outros animais para sobreviver? Por que os mais fortes eliminam os mais fracos? A violência no reino dos homens eu consigo compreender pela própria noção de liberdade. Somos livres para amar ou para destruir, para construir ou para demolir. Mas e os animais? Seria egoísmo demais imaginar que o ciclo da destruição de um animal pelo outro, mesmo para a sobrevivência, fosse feito para que nós não seguíssemos o mesmo destino, porque, afinal, temos algo além do instinto? Não consigo ver um cabritinho sendo devorado por um leão, mesmo que eu entenda que o leão só faz isso para sobreviver. Por que o leão não sobrevive do ar ou da água, ou de algo que não sofra para morrer? O cabrito chora diante da morte. E sua mãe não tem nada para fazer diante da fera que se aproxima. Não há perversão alguma do leão. Ele não é mau nem bom. Trata-se apenas do ciclo natural, que é assim.



O leão não se diverte com a morte da presa. Precisa da presa para sobreviver. Mas e a presa? Por que ela não pode escolher ser forte e lutar contra o leão?Não entendo também a diversão dos caçadores, tampouco a dos que lotam as arenas para ver a morte do touro ou a farra do boi. Dizem que é cultural. Mas a cultura humana já presenciou os gladiadores ou as arenas em que os animais devoravam os seres humanos.

Será que Churchill via o império alemão como um leão e os tchecos como cabritos sem defensores? Será que sua indignação estava no fato de que a compaixão tinha sido deixada de lado porque a mortandade estava no quintal alheio? Tanto melhor que Hitler atacasse a Áustria, e não a Inglaterra? Quem sabe assim sua fome passasse. Pensaria dessa forma um cabrito vendo o outro cabrito sendo devorado? Antes ele do que eu? A compaixão é um sentimento apenas do ser humano?E quantos seres humanos há que escondem esse sentimento lindo de se colocar no lugar do outro e sacrificar-se, se necessário, para salva-lo. Não é esse o exemplo de Cristo? O amor maior que todo e qualquer sacrifício. A vida entregue como compaixão pela humanidade carente de amor.








(MELO, Fabio de. Cartas entre amigos/ Fabio de Melo & Gabriel Chalita.







São Paulo: Ediouro, 2009)







By: Renatha Trindade